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Cinco frases, cinco temas: o discurso histórico de Francisco no Congresso norte-americano
Pela primeira vez, um chefe da Igreja Católica discursou ao Congresso dos Estados Unidos. E levou consigo uma longa lista de temas, apelos e preocupações: da migração à comercialização de armas, passando pela pena de morte, política e economia e alterações climáticas
O primeiro discurso do Papa Francisco no Congresso norte-americano foi histórico. Não tanto pelos temas abordados esta quinta-feira, mas especialmente porque este foi o primeiro discurso de um Papa às duas câmaras do Congresso dos Estados Unidos, no Capitólio, em Washington. Mais uma vez, Jorge Bergoglio fez história.
Deixamos aqui cinco frases que ilustram cinco grandes temas abordados pelo pontífice argentino durante o discurso de 40 minutos no Congresso, proferido em inglês e interrompido várias vezes por aplausos estrondosos à esquerda e à direita - apesar de Francisco não se coibir de falar sobre assuntos sensíveis no contexto político norte-americano.
1. “Nós, pertencentes a este continente, não nos assustamos com os estrangeiros, porque muitos de nós há muito tempo fomos estrangeiros”
Abordando, de forma indireta, um dos temas quentes das Presidenciais norte-americanas de 2016, o Papa Francisco criticou a hostilidade contra os imigrantes, que tem em Donald Trump o seu expoente máximo. O candidato republicano tem afirmado publicamente a sua aversão aos imigrantes ilegais, acusando o México de enviar criminosos para os Estados Unidos. Também Ben Carson, pré-candidato pelo mesmo partido, gerou controvérsia ao dizer que não queria um Presidente muçulmano.
“Construir uma nação pede-nos para reconhecer que devemos constantemente relacionarmo-nos com os outros, rejeitando uma mentalidade de hostilidade para se adotar uma subsidiariedade recíproca, num esforço constante de contribuir com o melhor de nós. Tenho confiança que o conseguiremos”, declarou esta quinta-feira, acrescentando: “Digo-vos isto como filho de imigrantes, sabendo que muitos de vós são também descendentes de imigrantes.”
Falando na língua inglesa, Francisco pediu aos deputados para que “os erros do passado” não fossem repetidos. E acrescentou ainda que estes não se deixassem intimidar pela quantidade de imigrantes que entram no país para recomeçar a vida. “Não devemos deixar-nos assustar pelo seu número, mas antes olhá-los como pessoas, fixando os seus rostos e ouvindo as suas histórias, procurando responder o melhor que pudermos às suas situações.” E rematou ainda dizendo que devemos evitar “uma tentação hoje comum: descartar quem quer que se mostre problemático.”
2. “Por que motivo se vendem armas letais àqueles que têm em mente infligir sofrimentos inexprimíveis a indivíduos e sociedade?”
A pergunta é retórica e o Papa usa-a para falar dos fabricantes de armas e da hipocrisia dos que lucram com a sua venda, naquele que é o país que mais lucra com a venda de armas no mundo inteiro. “Infelizmente a resposta, como todos sabemos, é apenas esta: por dinheiro; dinheiro que está impregnado de sangue e muitas vezes sangue inocente.”
Francisco faz ainda um apelo aos deputados, dizendo que têm o dever de “enfrentar o problema e deter o comércio de armas”, sublinhando que estar ao serviço do diálogo e da paz significa “estar verdadeiramente determinado a reduzir e, a longo prazo, pôr termo a tantos conflitos armados em todo o mundo.”
3. “Tudo o que quiserem que os outros façam por vós, fazei-o pelos outros”
Mateus 7, versículo 12. É esta “regra de ouro”, proferida por Francisco durante o seu discurso ao Congresso norte-americano, que o leva a estar “convencido” que a abolição da pena de morte “é o melhor caminho, porque cada vida é sagrada, cada pessoa é dotada de uma dignidade inalienável e a sociedade só pode beneficiar da reabilitação daqueles que cometeram algum crime.” Francisco aponta este desafio não só para os Estados Unidos mas para o mundo inteiro, apelando à abolição mundial da pena de morte.
A frase serve ainda para o pontífice argentino falar na proteção da vida humana em “cada etapa do seu desenvolvimento”, numa referência rápida à posição da Igreja Católica contra a eutanásia e o aborto.
4. “Se a política deve estar verdadeiramente ao serviço da pessoa humana, não pode ser escrava da economia e das finanças”
Abordando temas como a pobreza, a fome e o progresso, o Papa Francisco recorda que a política não deve estar dependente da economia e das finanças, mas ser “a expressão da nossa insuprível necessidade de vivermos juntos em unidade”, estando orientada para a construção do “bem comum maior”. Ou seja, uma comunidade “que sacrifique os interesses particulares para poder partilhar, na justiça e na paz, os seus benefícios, os seus interesses, a sua vida social.”
A luta contra a fome e a pobreza deve ser, assim, uma batalha primordial, “travada com constância nas suas múltiplas frentes” e “nas suas causas”, defende Francisco. E aponta uma pista para solucionar este problema: a redistribuição de riqueza.
5. “Peço um esforço corajoso e responsável para redirecionar os nossos passos e evitar os efeitos mais graves da deterioração ambiental”
No seu discurso, Francisco não esqueceu as alterações climáticas. E defendeu a “utilização correta dos recursos naturais, a aplicação apropriada da tecnologia e a capacidade de orientar devidamente o espírito empresarial” para uma economia “moderna, inclusiva e sustentável.”
Os deputados têm hoje uma importante missão, garantiu o Papa: combater a deterioração do meio ambiente, que considera causada pela “ação humana”. “Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impactos sobre todos nós”, disse o Papa a uma assembleia constituída por uma maioria republicana que contesta a influência da atividade humana nas alterações climáticas.
O Papa voltou a puxar a questão ambiental para a esfera pública, um dia depois de ter abordado o tema na Casa Branca, sublinhando que este problema “não pode ser deixado para as gerações futuras” - na sequência da sua mais recente Encíclica “Laudato si”, publicada em junho.
Fonte: www.expresso.pt